"Foi, deixou de ser e já é outra vez presidente da Mesa da Assembleia Geral da Liga, cargo que o Conselho de Justiça da FPF lhe restitui via recente acórdão deliberativo sobre as eleições nesse organismo. Frontal, corrosivo, sem papas na língua, o dirigente e advogado 'derrete' Fernando Seara e Rui Alves e não poupa Sampaio e Nora...
- Não sai muito bem visto da decisão do Conselho de Justiça (CJ) da FPF quando às eleições na Liga. Foi mesmo beliscado...
- Na verdade, ainda que não esperasse outra decisão. Não esperava é que o conteúdo do acórdão contemplasse tanta agressividade em relação à minha pessoa. Aborrece-me, mas não fico magoado porque já não tenho idade para isso. Ao mesmo tempo lisonjeia-me, pois há uma norma destes últimos vinte anos, a de que quem aparece a combater o sistema das trevas e da corrupção é imediatamente fustigado e vai direitinho para a fogueira. O último foi Ricardo Costa, logo colocado em cima dos paus para lhe pegarem fogo.
E sempre no mesmo tom:
- Estou na senda. Isso significa que as minhas decisões e a minha postura estavam correctas e na direcção certa. É necessário limpar tudo isto e afastar de vez as trevas. Foi nesse sentido que fui decidindo enquanto estive no seu cargo de presidente da Mesa da Assembleia-Geral da Liga. Eu vou continuar por cá, e vou continuar no futebol, sem medo de ninguém. Mas não posso deixar de dizer que estão a esturricar uma grande senhora do direito do trabalho em Portugal, professora na Universidade Católica do Porto, a professora Catarina Carvalho, minha vice-presidente na Liga, que esteve a meu lado sem qualquer fervor clubístico e sempre firme, como só uma grande mulher sabe ser. Normalmente os bons, tal e qual como no tempo da inquisição, vão direitinhos para a fogueira.
- Vamos lá analisar o acórdão...
- O acórdão é uma grande encomenda!, estava encomendado.
- Como explica isso?
- O acórdão, para ir em determinado sentido, contém erros. Na minha opinião o CJ é absolutamente incompetente para apreciar esta matéria. Essa competência pertenceria ao Tribunal de Trabalho do Porto. Tanto a Lei de Bases como o Regime Jurídico das Federações estabelecem os poderes públicos que a Liga exerce por delegação da FPF, que por sua vez os recebe do Estado. Só no âmbito destes poderes públicos é que o CJ poderia conhecer dessas matérias. A Liga é uma associação de empregadores e a matéria a julgar tem que ver com a eleição numa associação de empregadores, não tem que ver com matérias relativas aos poderes públicos conferidos pela FPF à Liga. Como é que o CJ deu a volta à situação? Entendeu que os estatutos da FPF lhe permitem conhecer de quase todas as matérias e isto assenta num princípio absolutamente inconstitucional, o de que os estatutos da FPF em termos de valoração de diploma legal, se sobrepõem à Lei de Bases, à Constituição e ao Regulamento Jurídico das Federações. Chama-se a isto a hierarquia legislativa, que se aprende no 1.º ano de direito e que aqui está a ser vilipendiada grosseiramente. Significa que esta excepção, que foi apreciada no acórdão de incompetências foi do plano de vista jurídico muito mal apanhado e não convencerá ninguém. E depois continua mal, julga o meu despacho quanto às listas e mal. Fala sobre a indevida aceitação da candidatura D, a de Mário Figueiredo e fala da indevida rejeição da candidatura C, a de Fernando Seara.
- Houve unanimidade nos juízes...
- E isso significa que a unanimidade está certa?! Este acórdão é uma coisa inacreditável. Relativamente à candidatura D, diz que ela não devia ter sido aceite, diz o acórdão, porque a declaração do Farense de apoio à candidatura não era em papel timbrado. Em nenhum sítio do mundo diz que o papel do clube tem de ser timbrado! Isso não existe. A Liga tem legitimidade e capacidade para reconhecer a assinatura dos clubes que são associados. Foi público quem subscreveu as listas. É ridículo dizer aquilo. É inacreditável. Podiam ter sido 500 juízes a assinar isto que direi sempre: isto é inacreditável e é feito de encomenda!
- E quando à lista de Fernando Seara?
- Repare: as eleições foram a 11 de Junho, dia 10 foi feriado, a data limite era o dia 6, das 14 às 18 horas. Eu coloquei-me à disposição das candidaturas para, dois dias antes, 4.ª feira, esclarecer tudo o que tinha de ser esclarecido e dizer qual a minha interpretação de como as listas deviam ser preenchidas. Telefonou-me a candidatura de Júlio Mendes, marcou para o dia seguinte e não me opus. E ligou-me, na 4.ª feira à tarde, Jorge Barroso, candidato a presidente da Mesa da AG da lista de Fernando Seara. Falámos sobre vários aspectos da lista. E telefonou-me Fernando Seara, na 4.ª feira à tarde, tivemos uma conversa cordial, as dúvidas dissiparam-se e estava tudo perfeito. Na 5.ª feira ninguém me ligou e na 6.ª feira telefonaram-me da Liga, eram 14.30 horas. «Olhe, vai entrar a primeira lista, é a de Fernando Seara». A lista foi entregue por Jorge Barroso e foi recebida. Tudo tranquilo. Nem saí de Faro. Às 16 horas soube que entrou a lista de Mário Figueiredo, mas às 15.30 horas ligaram-me da Liga a dizer: «Tens aqui um problema. Está aqui Fernando Seara para entregar outra lista e isso não é possível». Ao telefone Seara diz-me: «Há aqui um lapso, porque alguém entregou uma lista em meu nome e não fui eu». Deve estar a brincar comigo, pensei, porque quem entregou a lista foi Jorge Barbosa, que era só o candidato a presidente da Mesa da Assembleia-Geral na lista de Fernando Seara. «Anteontem os senhores estavam juntos e a ligar-me para tirar dúvidas e agora diz-me que a lista não é a mesma? Então a primeira lista que entrou não vale?» E Fernando Seara disse-me: «Não vale! Vou fazer um requerimento a V. Exa, para que me anule essa lista». Ainda lhe disse: «Veja lá os clubes que subscreveram a primeira lista». Disse-me que estava tudo bem. E um dos clubes que subscrevia a segunda lista era o FC Porto. Houve um volte-face significativo, de 2.ª para 6.ª feira, que me surpreendeu. É evidente que isso deixou-me estupefacto. A 1.ª lista do Seara, ele próprio pediu para a anular. E eu anulei-a, os órgãos todos, conforme ele me pediu. E a 1.ª lista tinha os órgãos todos completos. Na 2.ª lista já não estavam completos. E eu já tinha dito que não admitiria vacaturas de órgãos, pois por princípio entendo que a Liga não pode funcionar assim. Defini esse princípio. Nenhuma lista cumpriu este princípio, excepção feita à de Mário Figueiredo. Este ponto da vacatura de órgãos era conhecido, e sei que é discutível sob o ponto de vista jurídico. Mas o acórdão, no seu parágrafo mais eloquente, diz o seguinte: «(...) Verifica-se dos estatutos e regulamento geral actualmente vigentes, que não existe qualquer norma que expressamente determine a necessidade de que uma lista candidata nas eleições da Liga deva indicar candidatos para todos os órgãos, mas também não existe norma que permita o contrário» - fim de citação.
Isto é o parágrafo mais eloquente do acórdão. O CJ conclui que as listas podiam conter vacaturas, órgãos sem estar preenchidos, porém utiliza argumentos tão bons como os que eu utilizei para decidir que não aceitava listas sem estarem todas preenchidas. Posto isto, finaliza este douto acórdão com o ordenar instaurar um inquérito à minha pessoa e à da minha vice-presidente. Ora bem, o motivo é uma coisa fantástica: a Assembleia-Geral (AG) tinha dois pontos de Ordem de Trabalho (OT), um que era a leitura da acta e outro que era o acto eleitoral.
A leitura da acta não foi feita, nem podia ser, porque de extensa que era, ainda não tinha sido passada a gravação a papel, e àquela hora não estava pronta para ser lida. Sugeri que fosse anulado ou adiado esse ponto e por ter sido aceite a leitura da acta saiu da OT.
E entrámos no ponto dois. E surge uma proposta à Mesa, assinada pelo FC Porto, Guimarães e mais alguns clubes, que sugeria ser ilegal o acto praticado por mim, de anular a candidatura de Fernando Seara. E eu respondi que não admitia a proposta, porque estávamos no ponto nº 2, que era o acto eleitoral. E não admiti. Tal como não admitiria no dia de hoje. Diz o art.º 46 do Regulamento Geral da Liga que: «(...) Dado início ao processo de votação, seja qual foi a forma de escrutínio, não poderão os delegados usar mais da palavra, a não ser para apresentação de pedidos de esclarecimento sobre a votação». Está pois, fundamentada a minha decisão de não aceitar nenhuma proposta depois de se encontrar no ponto nº 2 da OT.
O acórdão diz que indeferi liminarmente a proposta feita em pleno acto eleitoral e manda proceder disciplinarmente contra mim. Isto é fantástico! Em suma, as trevas vão voltar, esta é a minha primeira conclusão de tudo isto.
«ESSA GENTE É MUITO PERIGOSA!»
- E qual é a segunda conclusão?
- É a de que eu sou do Benfica. E hei-de morrer a ser do Benfica, mas sei que enquanto presidente da Mesa da AG da Liga não fiz nada para prejudicar outros clubes. Lutarei sempre é contra as trevas. Como as coisas caminham, o Benfica vai ficar mais dez anos sem ganhar nada, ao Sporting vai suceder o mesmo, a Benfica TV acaba e volta o império. E quem não quiser entrar no sistema e na roleta, quando puser o pé no risco vai imediatamente para o assador.
No futebol eu conheço-os a todos, um a um e não admito sequer que me comparem ou misturem com indivíduos que são corruptos, condenados por corrupção activa, e que andam a bater no peito a apregoar moralidade e a dizer mal de todos os outros que não navegam nessa trevas. Essa gente é muito perigosa!
Finalizando: neste momento sou presidente da Mesa da AG da Liga e vou cumprir com aquilo que devo fazer. Regozijo-me com isto, pois com a sua decisão o CJ reconhece-me capacidade para liderar o processo eleitoral, já que me recolocou no meu antigo lugar.
- A Liga vai interpor uma providência cautelar?
- A interpor será uma suspensão do acto administrativo. E se assim for, depois logo se verá, porque vai haver a tal parada e resposta. Não quero entrar nisso, mas acredito que vai acontecer.
- E Fernando Seara? Estará nas próximas eleições para a Liga?
- Fernando Seara? Não o conhecia, vi-o e ouvi-o na BOLA TV a defender com unhas e dentes o senhor Joaquim Oliveira e a Olivedesportos, sempre contra a centralização dos direitos televisivos. Enquanto benfiquista, se um dia estiver a ver um jogo do Benfica e Fernando Seara estiver por perto, levanto-me e vou-me embora. Gosto muito de ir à Luz ver o Benfica, mas há coisas que me atiram ao ar. Se ainda fosse jogador de futebol e se dentro das quatro linhas apanhasse essa gente pela frente, arrancava-os pela raiz, mas como já não é possível...
- Outro candidato, Rui Alves, disse publicamente que Fernando Seara foi afastado das eleições «a troco de uma oferta de emprego a alguém». E diz que sabe quem ofereceu esse emprego e a quem...
- Se ele sabe, que o diga! Não sei a quem se refere. A diferença entre essas pessoas e a minha é que eles falam por meias-palavras e eu digo logo as coisas na cara. Eles são do tamanho um do outro... Desafio-os a dizerem-no e na hora. Digam logo que é para eu explicar o que sei. Quem está desempregado é Fernando Seara, não sou eu, que tenho bom emprego, felizmente. Os clubes têm medos deles, mas eu não tenho!
«Sampaio e Nora devia ter pedido escusa de relator»
O ódio entre a família do juiz e Mário Figueiredo e a ética que não terá sido respeitada
Acusa o relator do acórdão, Sampaio e Nora, de procedimento «pouco ético». E explica a razão dessa opinião: «Não vou insinuar, vou relatar factos. Cada um retirará as conclusões que entender. E vou por partes, começo pela escolha do relator do acórdão, José Sampaio e Nora. Ele é de uma família ilustre de Coimbra, que tive a honra de conhecer há muito, conhecimento aprofundado com os anos por via da minha amizade com o filho José Miguel Sampaio e Nora. Juntávamo-nos no Algarve, já o representei, como advogado, em processo que decorreu no Algarve e o próprio José Miguel me pediu para fazer uma parceria entre escritórios.
Conhecendo como conheço estas pessoas, suponho que Sampaio e Nora teve dificuldade em escrever o acórdão tal como está escrito. Ele devia ter pedido escusa enquanto relator. O filho, José Miguel, saiu da Liga porque Mário Figueiredo entendeu que ele não servia para o cargo que ocupava. Não sei os motivos, isso não passou por mim. Sei é que foi estigmatizado um ódio de morte da família Sampaio e Nora ao presidente da Liga, Mário Figueiredo. É manifestamente pouco ou nada ético Sampaio e Nora ser relator, por isso mesmo que acabo de relatar. Ele devia ter pedido escusa»."
Carlos Pereira, Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Liga, entrevistado por Carlos Rias, in "A Bola"